Zidane no Real Madrid foi e é um erro, mas, talvez justamente por isso, deve continuar
- Clarissa Barcala
- 21 de out. de 2020
- 6 min de leitura
Vexame contra o Shaktar Donetsk é o acúmulo de problemas antigos que quase custou o título de La Liga 19/20

A volta de Zinedine Zidane ao cargo de treinador do Real Madrid em 11 de março de 2019 na reta final de uma temporada desastrosa passava uma mensagem clara à uma torcida enfurecida pela queda abissal do desempenho do time em relação à temporada anterior: o Real Madrid estava traçando um plano de médio/longo prazo (tendo em vista que técnico assinou até o final da temporada 21/22) tomando Zidane, um ídolo da torcida e uma figura forte para a instituição que conta com passagens muito vitoriosas pelo clube como jogador e treinador, como o guia e o “chefe” de uma reformulação, contando com sua liderança, presença de vestiário, tamanho na história do Real Madrid e do futebol como um todo e espírito vencedor para servir de norte para uma nova geração de Galáticos (com um perfil diferente das duas primeiras, mas, ainda assim, Galáticos) que levariam o clube Blanco à glória aproveitando a reta final da era Messi no Barcelona e nos problemas de reconstrução que o rival passará. O grande problema desse plano de reconstrução foi o desespero da diretoria com a queda de desempenho do time na temporada 18/19 após as saídas de Cristiano Ronaldo e Zidane que, ao não saber lidar com a crise, trouxe um nome de peso para comandar o time menos de um ano de sua saída do clube. Por isso, a falta de coragem de trazer um técnico com melhores ideias e que tivesse uma experiência melhor em trabalhos de médio/longo prazo (pode-se ler aí Klopp, Pochettino, ten Hag) levou à diretoria do Real Madrid em direção a um escudo que serviu como populismo, pois a volta de Zidane evoca os primeiros e vitoriosos 3 anos de sua passagem como treinador no clube e tranquiliza o treinador.
Justiça seja feita, Zidane não é um treinador ruim. Ele é um dos melhores (se não for o melhor) do mundo em gestão de vestiário, chegando a colocar estrelas como Cristiano, Bale, Benzema, Kroos e Sérgio Ramos debaixo do braço em prol de suas escolhas técnicas e de suas ideias de jogo. A evolução defensiva do time do Real Madrid também é total mérito dele: o(s) time(s) do tricampeonato da Champions sempre foram muito caracterizados pelo poderio ofensivo avassalador, passando muito pela habilidade fora do normal de Cristiano Ronaldo de finalizar as jogadas, mas mesmo contando com estrelas como Sergio Ramos, Pepe, Varane e Navas, aquele Real Madrid nunca foi, nem de longe, um exemplo de solidez defensiva. Em sua atual passagem pelo clube, Zidane não conta mais com um ataque avassalador, já que Cristiano saiu para a Juventus, Vinícius, Rodrygo e Asensio oscilam muito e Hazard quando não está lesionado não mostras sinais de adaptação ao time, o que torna Benzema a única peça ofensiva fixa no time de Zidane. Desse modo, para compensar a diminuição considerável de gols produzidos pelo Real Madrid, o técnico francês teve muitos méritos em construir a melhor defesa da Europa na última temporada, constituída principalmente por Courtois, Carvajal, Varane, Sérgio Ramos e Mendy, além de ter Casemiro como peça importantíssima atuando como o primeiro homem à frente da zaga.
Porém, apesar de seus méritos, os erros de Zidane não podem ser deixados de lado. Sem Cristiano Ronaldo, o Real Madrid agora depende inteiramente de partidas inspiradas de Benzema, o poder de desequilibrar de Vinícius Jr e o poder de decisão de Sérgio Ramos para construir suas jogadas ofensivas. O Real Madrid costuma ser um time com muita posse de bola e que sabe ocupar o campo de ataque, ponto para Zidane que construiu um mecanismo de ocupação muito eficiente, porém, a construção ofensiva é quase nula e precisa de um camisa 9 muito acima da média e participativo no jogo como Karim Benzema para que seu ataque flua e, quando esse atacante central não tem a qualidade técnica ou a habilidade de influenciar no jogo atuando como arco e como flecha (sim, estou falando de Luka Jovic), a bola simplesmente não consegue chegar a esse jogador, deixando-o isolado da partida e matando qualquer possibilidade de seu poder de decisão se sobressair. O jogo dos pontas, apesar de cumprir seu papel de alargar a defesa, não é o suficiente para um time com pouca ou nula criatividade e chegada na área da faixa central e depende inteiramente de momentos desequilibrantes de Vinícius Jr ou lampejos inspirados da qualidade técnica de Rodrygo para infiltrar na defesa adversária. Desse modo, o Real Madrid se tornou um time previsível, lento e pouco criativo que depende da individualidade de alguns jogadores para o momento ofensivo, visto que uma construção tática planejada inexiste. Jogadores tecnicamente aptos para dar a criatividade e a genialidade que o time precisa, como James Rodríguez que hoje brilha no Everton de Ancelotti, Brahim Díaz, Achraf Hakimi ou Oscar Rodriguez, foram dispensados por Zidane que não viu espaço e encaixe para o que ele idealiza de futebol, ficando refém de jogadores que não conseguem ter sequência de jogo, como Hazard, que lutam para encontrar seu espaço e se adaptar, como Odegaard ou que simplesmente não têm mais nível para atuar no Real Madrid, como Isco ou Lucas Vazquez. Essa falta de criatividade no meio de campo e a surpreendente incapacidade de criar jogadas ofensivas do time de Zidane causaram sérios problemas contra times que conseguiam se posicionar bem na defesa e aproveitar as escapadas que o Real Madrid oferecia de bandeja para eles, resultando em derrotas indefensáveis como para o Mallorca, Real Bétis e, nessa temporada, para o Cádiz e resultando no completo vexame contra o Shaktar. Em sua estreia na Champions League contra o time ucraniano, o Real Madrid botou em jogo todas as suas deficiências ofensivas e o pior: não conseguiu expor nenhum traço da solidez defensiva da última temporada. O time espanhol conseguiu ter a bola e ocupar o campo de ataque, terminando o jogo com 60% de posse de bola, porém, não sabia o que fazer com ela ao encarar um Shaktar Donetsk que sabia muito bem se postar defensivamente, atuando quase num 4-5-1 no momento sem bola e fechando todos os espaços que o Real poderia explorar. Em um ataque com um Asensio que não conseguiu acertar um passe em progressão, um Rodrygo que se apresentava para o jogo mas não conseguiu fazer jogadas ofensivas significativas e um Jovic completamente alheio à partida, o Real Madrid se tornou dependente da individualidade de Luka Modric, das escapadas de Mendy improvisado na lateral direita e na estrela de Vinicius Jr, que entrou no segundo tempo, para “construir” jogadas ofensivas. No momento sem bola, o Real Madrid foi outro desastre. Jovic, Modric e Valverde pressionavam (ou tentavam pressionar) a saída de bola com os zagueiros do Shaktar, deixando Asensio e Rodrygo marcando os laterais e forçando Casemiro e a dupla de zagueiros Varane e Militão ficarem adiantados para cobrir um meio de campo que ficava vazio, portanto, adiantando muito a linha de marcação. Porém, o Real Madrid não tem a intensidade sem bola para sufocar o adversário e muito menos o poder ofensivo avassalador que tem o Bayern de Hans-Dieter Flick para correr o risco de uma linha de marcação alta. Portanto, o Shaktar conseguia facilmente escapar da primeira linha de marcação do Real e encontrava um meio de campo vazio e um latifúndio às costas da defesa para explorar com jogadas em velocidade. Não se engane com o resultado, mesmo se o gol de empate de Valverde não tivesse sido anulado a partida seria um vexame, pois o Shaktar poderia muito bem ter aplicado uma goleada no Real Madrid em pleno Alfredo di Stéfano se tivesse uma taxa de conversão das chances que criou maior. Portanto, com bola o Real Madrid era inofensivo e sem bola era um time que perdeu qualquer traço de solidez defensiva. Esses erros antigos que duraram por toda a temporada 19/20 e agora se arrasta para a 20/21 tranquilamente custariam o título de La Liga da temporada passada se não fossem o péssimo desempenho do Barcelona de Quique Setien, a queda tecnica do Atletico de Madrid de Simeone e as oscilações do Sevilla de Lopetegui.
Porém, mesmo com todas as fragilidades e problemas do Real Madrid e o claro cenário que aponta que a contratação de Zidane não era nem de longe a melhor opção em março de 2019, não deve ser agora que a diretoria se arrependa e deva consertar seu erro. Talvez se ela tivesse sido mais fria ao fim da temporada 19/20 e visse as fragilidades táticas que Zidane tem como técnico, deixando de lado o título de La Liga e encerrando o trabalho do francês, o cenário poderia ser diferente. Mas lidamos com essa realidade e a continuidade do trabalho deve ser preservada, tanto para dar uma chance a Zidane consertar seus erros como consertou a defesa que era abominável no começo da temporada 19/20 quanto para não mudar de estilo de jogo numa temporada onde o calendário será especialmente lotado e dificultará muito a implantação de uma nova filosofia por um novo técnico. Desse modo, uma demissão de Zidane antes mesmo da metade da temporada pode ser tão ruim para o clube como é para o treinador. Se o Real Madrid busca realmente encerrar o trabalho de Zidane para contratar um novo técnico, o momento claramente não é esse: caso um novo nome assuma o Real Madrid e não consiga implantar suas ideias pelo calendário inchado e por causa de um time que apresenta muitos problemas, a diretoria dificilmente teria a paciência para mantê-lo (como não teve com Lopetegui e Solari) e queimaria um trabalho que poderia ajudar muito o time a crescer se assumisse em um ambiente mais favorável.
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