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Como O Poço resultou em mais uma falha da Netflix em emplacar um filme

  • Foto do escritor: Clarissa Barcala
    Clarissa Barcala
  • 19 de abr. de 2020
  • 5 min de leitura

O Poço tenta encontrar seu combustível onde achou suas falhas, levando a um filme essencialmente vazio


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Goreng (Iván Massagué), determinado a parar de fumar, resolve participar de um experimento social que consiste em uma prisão em forma de poço com vários níveis e duas pessoas em cada um, onde uma plataforma cheia de comida desce todos os dias para alimentar as pessoas presas lá, dando comida farta para as pessoas dos níveis de cima e deixando as pessoas dos níveis de baixo na miséria. A cada mês, porém, as duplas são mandadas para algum outro nível aleatório – para cima ou para baixo.

Título Original: El Hoyo

Direção: Galder Gaztelu-Urrutia

Roteiro: David Desola, Pedro Riveiro

Elenco: Iván Massagué, Zorion Eguileor, Antonia San Juan, Alexandra Masangkay,

Ano: 2019

Gênero: Terror, Suspense, Drama

O alto investimento da Netflix em produções originais vem dado os mais diferentes resultados: há grandes sucessos como O Irlandês ou Dois Papas, e também grandes fracassos como A Barraca do Beijo ou Death Note. Seguindo a linha de produções autorais e ousadas, O Poço é mais um dos frutos que esse investimento rendeu.

Começando com os méritos: O Poço apresenta uma excelente premissa, que só fica mais rica ao longo do primeiro ato. A ideia de ficar preso em uma prisão naqueles moldes, sem saber sua condição no mês que vem, com uma pessoa que você não conhece e com uma constante dúvida sobre a comida é assustadora e angustiante. O filme e o roteiro apresentam seu maior acerto justamente ao apresentar a premissa e os caminhos que o filme pode tomar ao mostrar o protagonista no Poço desde o começo do filme, apresentando detalhes de sua vida e seu motivo de estar ali ao longo do longa, desenvolvendo a trama com calma e dando ao filme um bom ritmo no primeiro ato. O enriquecimento da premissa e o aumento da mística sobre o Poço, que envolve cada vez mais o espectador, deve muito ao personagem Trimagasi e à atuação de seu intérprete Zorion Eguileor. O filme apresenta um personagem mais experiente, que entende perfeitamente a mecânica do Poço e, portanto, sabe como agir e quando agir. Por apresentar um personagem já construído e complexo, que passou pelo que o protagonista passará, a trama consegue muito bem nos colocar no lugar de Goreng, já que somos tão inexperientes como ele e nos sentimos tão intimidados por Trimagasi quanto o protagonista. Durante o primeiro ato, o filme começa a amaciar o espectador e incitar dúvidas sobre como é a vida em outros níveis do Poço, como será a relação entre Trimagasi e Goreng, como eles reagirão em uma situação extrema. Há, também, uma grande habilidade do roteiro construir uma trama polida e redonda dentro de uma premissa que, por mais animadora que seja, parece limitante e provavelmente guiaria o a história para um tom repetitivo e cansativo. O roteiro, porém, é esperto e perspicaz o bastante para não cair na mesmice e, apesar de não ser extremamente complexo, consegue ser intrigante dentro dos limites da premissa.

Com toda a premissa apresentada, o filme encontra seus maiores erros ao explorar a trama em todos os sentidos. Ele, sim, funciona como um filme de terror ou suspense violento que deixa o espectador tenso, angustiado e perturbado, mas a maioria dessa tensão depende inteiramente da violência gráfica exagerada, e não consegue grandes méritos fora dela. Outros filmes de terror que apresentam a violência e cenas fortes e perturbadoras como Grave, de 2016, conseguem desenvolver pontos de tensão que vão além da violência gráfica básica e deixam o espectador tenso e abalado ao explorar outras ferramentas do filme, como a evolução do personagem ao longo da trama ou seus comportamentos por si só. O Poço não consegue usar essas ferramentas apenas porque não as desenvolveu. Exceto Trimagasi, todos os outros personagens, inclusive o protagonista, parecem sem sal e não conseguem ter um desenvolvimento crível ou apresentar feridas psicológicas convincentes. Por mais que o orçamento pequeno impossibilite um filme mais extenso que conte com mais desenvolvimento de seus personagens, a trama poderia muito bem investir mais neles ao invés da violência gráfica, o que tornaria o filme menos perturbador, porém mais tenso. O roteiro não investe no terror psicológico na maior parte do longa e, consequentemente, quase toda a tensão, o medo e a ansiedade do espectador vêm das cenas fortes graficamente do filme.

Porém, O Poço tem sua maior falha ao ser extremamente pretensioso. O que faz um filme ser genuinamente bom, na minha opinião, são dois principais fatores: o que ele promete e o que ele realiza dentro do que ele prometeu. Portanto, do mesmo jeito que um filme que entrega o que promete mas promete pouco não é uma grande obra, um filme que promete mil maravilhas mas não entrega nada (ou quase), tampouco é algo bom. O Poço cai exatamente nesse problema. Dentro de sua premissa excelente e de um primeiro ato bem-feito, o filme falha em explorar o que foi prometido. Por mais que seu roteiro seja polido e bem amarrado, evitando cair na mesmice, frequentemente se vê usando e abusando exageros para tentar chocar e perturbar o espectador. Além disso, a crítica que o filme tenta tecer sobre o sistema é fácil, boba e perceptível na sinopse, enquanto no longa em si ela é superficial ao tratar as camadas sociais e o sistema capitalista, sem sair do básico. O roteiro tenta construir mais dessa crítica ao explorar as diferentes atitudes em diferentes níveis, mas só consegue pintar seus personagens como irresponsáveis e sem a mínima noção do panorama no qual eles foram inseridos.

Após seu grande início e seu desenvolvimento fraco, o filme tenta sua última cartada: emplacar um grande final, que deixe seus espectadores pensativos, intrigados e chocados. Está aí mais uma grande falha do filme. O diretor parece perdido, sem saber qual tom adotar: se ele se atém ao literal, ao real ou se ele parte de vez para o surrealismo e a um tom metafísico. O resultado é que não é nenhum dos dois. Ele tenta deixar pistas ao longo da trama, como as menções a Dom Quixote ou as alucinações do protagonista, mas elas são tão desconexas e mal inseridas no roteiro que elas ficam atrapalhadas e apressadas, já que não houve a paciência ou a vontade do roteiro de explorar a trama e os personagens em si, investindo muito mais na violência gráfica e em subtramas fracas. Porém, quando o espectador segue um caminho mais atrelado à realidade, o plot twist fica ainda pior, tornando-se algo literalmente sem sentido, não algo que intriga ou faça pensar como os realizadores queriam. No fim, o final parece ser completamente desconexo do resto do filme, que não sabe qual tom aderir. Não consegue desenvolver algo realmente subjetivo e, quando fica na realidade, o resultado é algo fraco e mal explorado.

O Poço é um tremendo desperdício de uma grande premissa. Seguindo os passos da saga The Purge, o filme não polemiza, não choca, não intriga, não faz pensar e não emociona, embora ache que faz tudo isso. Ele consegue ser um bom filme de terror simples ao deixar o espectador tenso em cenas viscerais, mas ao desenvolver o suspense que ele se propõe a ser depende totalmente dessas cenas violentas para desenvolver sua tensão. Sua crítica é rasa, sua trama é simples e seu final é desconexo, fruto de um filme completamente confuso e perdido sobre qual tom adotar, jogando fora as discussões que poderiam rondar o final. A falta de tato do filme o deixa raso e simples enquanto queria ser profundo e complexo, resultando em outra falha da Netflix em emplacar um filme.

 
 
 

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