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A ousada complexidade de Clube da Luta

  • Foto do escritor: Clarissa Barcala
    Clarissa Barcala
  • 12 de out. de 2019
  • 5 min de leitura

Uma crítica à sociedade consumista retratada através de uma profunda viagem pela mente humana



Um homem deprimido que sofre de insônia (Edward Norton) parece reacender o valor da vida quando se junta a um clube feito para lutas fundado por seu misterioso e impulsivo parceiro Tyler Durden (Brad Pitt) após ter seu apartamento original destruído. Porém, a relação entre os dois passa a ser colocada em xeque por Marla (Helena Bonham Carter) e pela própria consciência do homem.


Título orginal: Fight Club

Diretor: David Fincher

Elenco: Brad Pitt, Edward Norton, Helena Bonham Carter, Jared Leto, Meat Loaf,

Ano: 1999

Gênero: Drama, ação

A seguinte crítica apresenta spoilers, mas o filme é de 1999. Se você não viu, vai fazer seu dever de casa e assista.


Por que é bom?

Clube da Luta, após um começo embaralhado contando com um flash-forward desconexo, é um filme que relata com perspicácia o sentimento da classe operária através da perspectiva do protagonista sem nome, chamado de “Narrador” e interpretado por Edward Norton. Ele usa a narrativa aparentemente bagunçada (mesmo que ela se organize após o começo confuso) para explorar homens que nutrem ódio por um sistema abusivo enquanto tece suas críticas sobre o consumismo que assola nossa sociedade. A narração muito marcante no começo do longa, realizada pelo protagonista, retrata através de um tom ácido, sarcástico e depressivo o vazio existencial sentido pelo Narrador. A sensação de “deslocamento” do personagem não é abordada como algo inspirador e que almeje destruir sistemas, mas sim através de um ar vazio e depressivo. A insônia do protagonista revela sua inquietação quanto ao deslocamento, resultando em uma obsessão consumista que não consegue preencher o vazio existencial que assola a vida dele e causando um quadro sério de insônia. Esse deslocamento é causado justamente porque o personagem se encaixa, mas se encaixa como uma mera engrenagem substituível de um sistema cruel, tirando assim a vontade de viver. Afinal, qual o real propósito de uma engrenagem? Essa sensação de ser descartável tira maiores propósitos do protagonista, que começa a ser motivado apenas pelo padrão consumista empurrado pelo sistema que o esgota. Assim, o filme encaixa o personagem de Edward Norton em um ciclo maçante e vicioso, onde ele se esgota no trabalho para comprar algo que o anime após ser esgotado pelo trabalho.

O Narrador, então, encontra um alívio maior quando passa a frequentar grupos de autoajuda que atendem pessoas com diversos tipos de doenças. Ele finge passar por problemas para ir a esses grupos, e lá ele consegue finalmente se libertar emocionalmente. O longa, aqui, adota um olhar sádico, já que o protagonista se liberta de sua insônia logo após ver diariamente pessoas em sofrimento profundo e quase irremediável. Porém, esse sadismo apresentado logo é barrado por Marla (Helena Bonham Carter), outra impostora que passa a frequentar os mesmos grupos de autoajuda do Narrador. Nela, o personagem, mesmo relutante, vê a si mesmo e o quanto suas ações são tóxicas e condenáveis, acarretando na volta da insônia. Marla representa a consciência pesando, o julgamento interno que ocorre quando o Narrador rompe com seus valores. Porém, mesmo sendo duramente julgado por si mesmo, o protagonista não para de frequentar os grupos de autoajuda, e negocia com Marla quando cada um pode ir aos grupos, voltando assim à paz que ele antes atingira.


A grande mudança de rumo do filme, no entanto, ocorre com a introdução de Tyler Durden, interpretado com maestria por Brad Pitt. Tyler é o exato oposto do Narrador: um homem impulsivo, rebelde, irresponsável, imprevisível e desapegado, que vive para satisfazer seus prazeres imediatos e apresenta diversas críticas ao sistema que aprisionou o Narrador. Formando uma antítese perfeita, os dois se conhecem em um avião, mas só começam a se relacionar quando um incêndio destrói totalmente o apartamento do protagonista. Desnorteado, o Narrador estreita relações com Tyler e, ao viver junto dele, há uma gradual libertação do personagem de Edward Norton. Juntos, eles fundam um grupo de homens da classe operária com o intuito de se espancarem para liberar o estresse e as emoções suprimidas pelo sistema opressor que os explora e abusa. A evolução do clube para uma organização terrorista, anarquista e anti-sistema, denominada Projeto Mayhem, passa a assustar o Narrador ao se alastrar pelo país. Durden torna-se incontrolável e cada vez mais nocivo, tanto à Marla, que volta a aparecer, quanto ao próprio Narrador. Essa organização terrorista forma exércitos de homens da classe operária com o mesmo sentimento do protagonista, porém que passam a acatar ordens de Tyler sem questionar. É aí que o filme apresenta um de seus dois grandes triunfos: ao tentarem se libertar de um sistema nocivo, esses homens apenas passam a fazer parte de outro, que no fundo apresenta o mesmo propósito do anterior – trabalhar (ou lutar) até a exaustão para obter um prazer instantâneo para que possam voltar a trabalhar. O longa, através disso, tece sua crítica à lavagem cerebral: como uma mente exaurida e esgotada, sedenta por novos ideais e propósitos, pode ser facilmente raptada e remodelada para servir novamente como engrenagem. A manipulação das massas por Tyler Durden evidencia a alienação das classes mais baixas com o objetivo de servir a algo maior. Ele é projetado pelo Narrador e pelos membros do clube da luta como um salvador, mas no fim é apenas alguém que os faz de refém novamente enquanto dá discursos motivacionais e os leva de um extremo a outro – da repressão total à barbárie.


Porém, a grande luta de Clube da Luta não é física, mas sim psicológica. O maior acerto do filme é retratar os conflitos de uma mente esgotada, reprimida e abusada através da relação do Narrador com seus demônios. A revelação de que Tyler Durden é uma invenção da mente do personagem não é um plot twist desconexo e sem sentido, mas sim uma virada de mesa friamente calculada durante todo o longa. Por ter suprimido tanto suas vontades e emoções para servir a um sistema, a mente do Narrador perdeu o controle e passou a personificar a parte “selvagem” da psique. O embate psicológico do filme não é escondido ou restrito a um personagem, mas sim compõe o longa e dá a força para ele se mover. A relação paradoxal de Durden com o Narrador é justamente o julgamento do protagonista sendo exposto: ele não consegue viver em paz sabendo que ele abriu mão de suas emoções apenas para viver em prol do sistema, e por isso fica constantemente se criticando e se flagelando. Os diálogos motivacionais de Tyler representam a mente batalhando e apontando seus erros, levando rapidamente o Narrador de um extremo sem emoções para um extremo apenas de emoções. Para representar essa antítese, a direção de David Fincher adota tons mais frios e planos mais escuros na ausência de Tyler, enquanto passa a ter cores quentes e iluminações fortes enquanto ele está presente e atuante. As dicas sutis dessa revelação passam longe da exposição de O Sexto Sentido (1999), mas estão presentes e ligam-na ao resto do filme, fazendo com que nada ficasse desconexo ou sem sentido.

Clube da Luta é um denso e complexo ensaio sobre uma mente atormentada e alienada pela sociedade atual representado por um embate poderoso e nocivo entre os dois extremos da psique humana.

 
 
 

2 Comments


mariana.barretobh
Oct 14, 2019

Muito talento ❤

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mariana.barretobh
Oct 14, 2019

👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻

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